segunda-feira, 25 de julho de 2011

Os donos do mundo



Cabo, 16/09/1998

As palavras que se entrelaçam em uma poesia,
São as mesmas palavras que de dia
Afogam o mundo na miséria, na violência e hipocrisia.
Esquartejam a estrofe com um machado forte,
Trituram as rimas com pedras e limas,
Apodrecem o ritmo,
Anoitecem o mito e fecundam a mentira.
Sem sentimentos,
Sem momento,
Blasfemam delirantes e cantam sua ira.
A cólera abundante transborda e cobre a vila.
Corre extravagante, apaga as cinzas da lira,
Inunda o subúrbio, a favela, o submundo
Do craque e da heroína.
E seres miseráveis que gemiam nos esgotos,
Gritavam e seu grito desaparecia aos poucos.
Sei que os únicos que sobreviveriam a enchente que vinha,
Seriam os donos do mundo,
Apenas a burguesia.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Sangue Tupi


Cabo, 21/05/1999


Explode o vulcão do ocidente
Sua lava dissolve vilmente
As vértebras do animal.
Escorre das rochas crepitantes
Na síndrome de um gigante
Dilacerando a tribo tupi.
Os abutres voam festejando
O podre destino do índio daqui.
Escravo dos vermes
Na terra que é sua, viu-se consumir.

Dos fúnebres braços da tempestade
Viu respingar as gotas da maldade
A vitória do vulcão.
No silêncio da erupção
Na fumaça que sai do chão
Um vazio na amplidão.

Nenhuma flor para olhar
O jazigo onde está dormindo,
Nenhum olho pra chorar,
Nenhum ente pra lembrar
Esquecido como um mendigo
Somente os abutres a lhe devorar.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Centelhas

Recife, 5-8-2001



Lembra daquele dia, da poesia,

Do meu lugar comum.

Lembra das ondas quebrando,

Dos pássaros cantando,

Do céu azul.



Lembra que tudo era um sonho,

O mundo era medonho,

Uma jaula e o domador.

O céu era negro, a brisa era fria

E as estrelas fugiam de mim.



Lembra que o tempo regenera

O coração ferido,

Apaga as mágoas de que foi esquecido

Congela as centelhas do amor perdido.



Ah! Se o vento fosse só a maresia,

Se o som do mar fosse acordar o dia,

Se a minha mente pudesse navegar.



Ah! Um sonho às vezes toma vida,

Transforma o vento em brisa,

Afasta as nuvens para a lua brilhar.



Lembra, quando eu fechava os olhos

para ouvir o mar

e quando olhando o céu

reaprendi a amar.

sábado, 2 de julho de 2011

Lâminas de Aço

Cabo, 30/09/97

O silêncio se rompe e os trilhos cantam.
As águas correm, borbulham e dançam.
O vento agita e as folhas em pranto,
Respingam as gotas de um orvalho de espanto.
Enquanto os trilhos cantam,
A lâmina afiada corta o pranto.
As flores dão gargalhadas e provocam espanto.
As águas dos esgotos se lançam num encanto.
Quebrando uma paisagem,
Destruindo um canto.
Sem piedade, fedendo e tanto.
Impregnando a paisagem,
A qual, já não amo tanto.

Enquanto os trilhos cantam
E os passarinhos voam para os seus ninhos.
Os vermes saem do esgoto para sucumbir o corpo inerte
De um ser degolado a sangrar sem grito.
Pois seu grito morreu com o vôo dos passarinhos.
Os trilhos cantaram e as lâminas de aço esmagaram os ossos desse pobre gatinho.