terça-feira, 29 de novembro de 2011

O Pau-Brasil

Cabo, 1996


Olhem, que da árvore brasileira
Cai mais fruto verde.
Homens, mulheres, crianças,
Gente que se entregou ao seu objetivo
Arriscando a própria vida.
Olhem os homens que trabalhavam com a terra.
Cavam, cavam e cavam
Buracos tão fundos para enterrar o mundo
E depois se enterrar.
São homens, mulheres e crianças
Gente que fez do seu objetivo sua vida
E da sua vida um inferno.
São guerras diretas e indiretas
Os homens, mulheres e crianças
Que querem apenas uma vida
Digna de ser vivida
Em um mundo de tantas promessas insanas.
A árvore brasileira precisa ter cuidado
Com ela mesma e com outras maiores
Que algum dia vão deixar de aceitar
Suas frutas verdes ou maduras em troca de
Mais e mais tempo.
Tempo este em que caem
Da árvore brasileira mais e mais
Frutos verdes, são eles:
Homens, mulheres e crianças,
Que lutam incansavelmente
Por chão, comida e vida. 

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Olhares

Cabo, 03/11/1999


Teus olhos refletem a luz do meu riso
Quando brilham mais forte é por me olhar.
Por que tu me olhas?
Não vejo teu rosto.
Recolho meus olhos no meu olhar.

Garoto travesso, palhaço de circo,
Pula ao avesso só pra eu notar.
Por que tu me olhas?
Não vejo teu rosto.
Recolho meus olhos no meu olhar.

Meus olhos vagueiam na luz das estrelas
Enchem-se de pranto sem nunca chorar.
Tua mão devaneia, escreve-me versos.
Por que tu me amas sem eu te amar?

Um raio de sol apaga meu canto.
Não são os teus olhos que vejo no mar.
As gotas de pranto deslizam na face.
Inundam teus olhos que choram de amar.
Tua mão devaneia escreve-me versos.
Por que tu me amas sem eu te amar?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

E o Sertão?



Cabo, 13/01/1999

Homens que olham
Para os seus filhos e choram.
Lembram que o futuro está apagado e choram.
Nas covas veem sepultados todos os sonhos.
Todos os fantasmas foram convidados para este enterro.

Nem uma gota d’água
Deus não manda mais
Nem uma gota d’água pra trazer a paz
Para este sertão.
Só quem se lembra é o cão.
Só o que não falta é a dor,
É a fome,
É a morte,
É o horror.
A família sofre junta
Reza pra ver se Deus ajuda
Mas no céu
As nuvens não se juntam.
Anoitece e amanhece ateu.
Só o cão do sertão se lembra.
Quando tu hás de lembrar meu Deus?!

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Astros e Rastros

Cabo, 20/07/1997


Onde paira a verdade,
Onde assombra o poder,
Onde resiste a felicidade.
Onde resiste a felicidade?
Em que lugar há de ser?
Em terras que não se vê.
Em mundos aonde não se vai.
Onde tudo é resistir.
Onde nada é desistir.
E aqui?
É aqui?
Não pode ser aqui?
Talvez!!
Quando a brisa da meiguice passar por aqui.
Se em nossa consciência peso não existir.
Sentiremos felicidade.
Sentiremos bulir.
O palco da majestade estará longe daqui.
Não ande pela rua que não tem asfalto,
Lá o tempo fez um grande buraco.
E a lama pode te engolir.
No palco da majestade, os astros brilham,
No entanto, põem-se a se destruir.
Num dia cairão aqui, naquela rua sem asfalto,
Onde a lama, há de os engolir.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Perigo Cristão

Cabo, 09/04/1997


Ó! Mãe, que em tão puro coração tem o sexto sentido.
Ouve, por favor, este pedido.
Salva este teu filho ingrato.
Mãe, que tão mal procedeu em conceber-me
Tanto me amou, mas tanto se arrependera
Por um dia ter-me dado a luz.
Ó! Mamãe, não sou digno de ser filho de uma santa tão bela,
Tal qual a que vi na capela,
Nunca te mereci e agora vejo meu erro.
Mãe, queimaste uma vez tua mão no fogo por mim
Mãezinha, eu te peço não me deixe dormir
Nos fogos eternos do inferno e da dor.
Peço-te de joelhos no meio da multidão
De santos que a rodeiam em teu altar.
Mãe, salva este pobre cristão que no meio dessa aflição veio te procurar.
Afasta os abutres que me rodeiam,
Que devoram minha alma,
Sugam a pouca esperança que tenho,
Me tira desse cortejo de tristeza e de pressão.
Afasta a fome, a miséria, afasta a desolação
E traz um pouquinho de vida para este pobre coração.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Um Canto de Amor

Natureza virgem e pura
Que o homem não ouse te tocar
E que ele não lhe faça sofrer
Como faz a tantos dos teus filhos.

Ó, mais bela de todas as belezas,
Que habita a água das cascatas
E vê o orvalho nas folhas das tulipas.

Ouve este canto que os passarinhos tentam cantar.

Que canto é este tão branco
Que pela selva de espanto
Vem o fogo calar?

É o canto das andorinhas
Que nesta selva de espanto
Vêem seus filhos queimar.

É um canto de pranto,
É um canto de dor,
Vendo a vida morrendo,
Vendo o fogo matando,
Vê seus filhos chorando,
Vê o pranto correndo.

Que canto é este que trás
Tão triste melodia?

Ó deusa do amor,
Ouve este canto de dor,
Cala este canto
Como calaste tantos
De alguns filhos que nem chegaram a viver.

Acende uma luz em meio à escuridão
E chora mais uma vez a última andorinha.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Flor de Lírio

Cabo, 20/07/1997

À noite a escuridão assombra,
Onde a lua lança sua luz,
A sombra vira saudade
E a saudade permanece até amanhecer.
Pequeno raio de lua.
Pequena gota de luz.
Sombra, onde paira a saudade.
Fogo, onde paira a bondade.
Santa, onde paira o amor.

Bela lua de março.
Não existe lua mais linda,
Não existe brisa tão meiga,
Não existe régua nem traço.

De onde exala o perfume do lírio?
De ti exala o perfume do lírio.
De teus longos cabelos partiu.
Para encher o coração dos que dormem o sono dos anjos,
Dos que sonham com teu encanto,
Dos que amam teu canto
E se entristecem por teu pranto,
No canto,
Sozinha.
Onde o sol de manhãzinha tua face acariciou.
E a acordaste sem dor,
Pois o sol,
Bela flor de lírio,
Te amou.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Os donos do mundo



Cabo, 16/09/1998

As palavras que se entrelaçam em uma poesia,
São as mesmas palavras que de dia
Afogam o mundo na miséria, na violência e hipocrisia.
Esquartejam a estrofe com um machado forte,
Trituram as rimas com pedras e limas,
Apodrecem o ritmo,
Anoitecem o mito e fecundam a mentira.
Sem sentimentos,
Sem momento,
Blasfemam delirantes e cantam sua ira.
A cólera abundante transborda e cobre a vila.
Corre extravagante, apaga as cinzas da lira,
Inunda o subúrbio, a favela, o submundo
Do craque e da heroína.
E seres miseráveis que gemiam nos esgotos,
Gritavam e seu grito desaparecia aos poucos.
Sei que os únicos que sobreviveriam a enchente que vinha,
Seriam os donos do mundo,
Apenas a burguesia.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Sangue Tupi


Cabo, 21/05/1999


Explode o vulcão do ocidente
Sua lava dissolve vilmente
As vértebras do animal.
Escorre das rochas crepitantes
Na síndrome de um gigante
Dilacerando a tribo tupi.
Os abutres voam festejando
O podre destino do índio daqui.
Escravo dos vermes
Na terra que é sua, viu-se consumir.

Dos fúnebres braços da tempestade
Viu respingar as gotas da maldade
A vitória do vulcão.
No silêncio da erupção
Na fumaça que sai do chão
Um vazio na amplidão.

Nenhuma flor para olhar
O jazigo onde está dormindo,
Nenhum olho pra chorar,
Nenhum ente pra lembrar
Esquecido como um mendigo
Somente os abutres a lhe devorar.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Centelhas

Recife, 5-8-2001



Lembra daquele dia, da poesia,

Do meu lugar comum.

Lembra das ondas quebrando,

Dos pássaros cantando,

Do céu azul.



Lembra que tudo era um sonho,

O mundo era medonho,

Uma jaula e o domador.

O céu era negro, a brisa era fria

E as estrelas fugiam de mim.



Lembra que o tempo regenera

O coração ferido,

Apaga as mágoas de que foi esquecido

Congela as centelhas do amor perdido.



Ah! Se o vento fosse só a maresia,

Se o som do mar fosse acordar o dia,

Se a minha mente pudesse navegar.



Ah! Um sonho às vezes toma vida,

Transforma o vento em brisa,

Afasta as nuvens para a lua brilhar.



Lembra, quando eu fechava os olhos

para ouvir o mar

e quando olhando o céu

reaprendi a amar.

sábado, 2 de julho de 2011

Lâminas de Aço

Cabo, 30/09/97

O silêncio se rompe e os trilhos cantam.
As águas correm, borbulham e dançam.
O vento agita e as folhas em pranto,
Respingam as gotas de um orvalho de espanto.
Enquanto os trilhos cantam,
A lâmina afiada corta o pranto.
As flores dão gargalhadas e provocam espanto.
As águas dos esgotos se lançam num encanto.
Quebrando uma paisagem,
Destruindo um canto.
Sem piedade, fedendo e tanto.
Impregnando a paisagem,
A qual, já não amo tanto.

Enquanto os trilhos cantam
E os passarinhos voam para os seus ninhos.
Os vermes saem do esgoto para sucumbir o corpo inerte
De um ser degolado a sangrar sem grito.
Pois seu grito morreu com o vôo dos passarinhos.
Os trilhos cantaram e as lâminas de aço esmagaram os ossos desse pobre gatinho.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Amar

Cabo, 10-1-1997


Vês! a escuma branca
Da nossa praia
Com um sorriso claro
Que se iguala
À beleza das nuvens e da luz.

Vês! ainda escrevo teu nome na areia
Onde mora o silêncio.
Onde o sol não clareia
E apagam-se aos poucos
Os meus sonhos azuis.

Onde acabam-se os versos
Que um dia cantei.
Onde em dias dispersos
Te salvei
E te dei o meu mundo.

A todo instante, vejo fantasmas dizendo amém.
Vi a flor desabrochando,
Espalhando as pétalas dos sentimentos.
Senti teu beijo sonhando
E acordei do meu sono em contentamento.

Sou teu anjo de luz
Trago no peito
O amor que conduz
Todos os momentos,
Todos os pecados,
 Toda madrugada,
Toda primavera.

Sei que a distância
Insiste em nos separar.
Sei que o passado morre,
Mas o meu sangue corre
Indo te buscar.

Quero dormir para sempre.
Fechar meus olhos  para te olhar.
Ao menos assim,  eternamente,
Em cada sonho
Poderei te amar. 

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Não

Cabo,1997



Ah o tempo! Não posso voltar o tempo, só posso o tempo seguir.

Até que o tempo morra,

Até que alma deixe de existir.



Somente o vento percorre o tempo.

Não sou o vento.

Eu sou a lua que acorda o medo,

A cigarra que anuncia a noite e promove uma serenata chata, chata,

Como a serenata promovida pelos sapos, rãs e girinos,

Na época em que chove muito por cá.



E aquele canto desafinado anunciando o dia.

Ah! Eu também sou o galo que toda madrugada,

Feito vitrola arranhada, tagarela aos quatro cantos a mesma melodia.

Sou aquela chuva que chega num dia lá na praia e estraga o verão.

Ah! Eu sou aquele santo forte que por mais que os coitados implorem

Não manda água para o sertão.

Sou um homem que não tem defeito,

Uma mulher que não tem perdão,

Sou um racista revolucionário negro,

Sou um banqueiro que lidera um arrastão,

Sou um psiquiatra louco, sentado num banco, na sela de uma detenção.



Não sou louco! Não sou louco! Sou um simples cidadão!

Que chora nas tempestades em dias de verão.

Que vê que essa cidade não tem jeito não.



A cidade não tem defeitos?

São realmente perfeitas a miséria e a prostituição, ou seria melhor dizer,

Os gravatinhas e a corrupção.

É, o capitalismo não tem defeitos.

É realmente perfeito não se poder abrir a boca e dizer: Não!!!

domingo, 22 de maio de 2011

Lembranças do Cabo

Por Valeria Saraiva
Cabo, 18/07/1997






Terra de grandes paixões
De grandes ilusões
Terra que Pinzon chamou de
Santa Maria De La Consolación.
Terra, onde o tempo deixa cada vez mais bela a natureza.
Paisagens que o tempo não destruiu,
Histórias que o tempo construiu
Com sangue em Pirapama próximo ao rio.
Um grito abafado com fogo e dor,
Uma história contada por um povo, que aqui morou,

Se a queimadura já cicatrizou
Não desperte Xaréu o vulcão da dor.
Paiva há de se queimar também,
Ou então Gaibu com seu mangue quase nu,
Menos nu do que Suape que perdeu um belo cobertor de mangue.
Mas ainda assim é grande, o amor dos pescadores por essa praia.
E os turistas admiram todo o complexo até o que não tem nexo
Mas há de ser bonito e fotogênico.

O reboliço mexe com o nexo da poesia,
mas há de Pirapama ser um dia,
dos mais belos rios de Pernambuco.
Sabe-se que está poluído,
Mas sabe-se que de sua barragem parte uma bela paisagem
Que se quebra entre rochas e lixos.

O Cabo tem história em Nazaré, o castelo, o farol, a igreja e o convento
Tem um forte em Gaibu que se escondeu com o tempo.
Escondeu-se na memória e quem esqueceu, agora lembrou.
                              O Cabo também tem gente que muito o amou.